domingo, 16 de agosto de 2015

O Churrasco

Não há nada como uma ida à Feira de São Mateus, a iconica feira de Viseu que todos os Verões oferece aos locais e aos visitantes uma boa dose de divertimento. Com espectáculos protagonizados por nomes capazes de arrastar multidões (nunca pode faltar o nosso Toni Carreira), o recinto alberga uma considerável quantidade de tendas e tendinhas com artesanato e produtos locais, outras de comes e bebes de elevadíssimo nível, sem falar nos carrosseis, carrinhos de choque e outros divertimentos mais audazes, capazes de provocar uma bela injecção de adrenalina nos corajosos que optam por os experimentar.

Mas, como é óbvio, passar pela Feira de São Mateus obriga a degustar um jantarinho num dos muitos restaurantes disponíveis para o efeito. E o churrasco é a palavra de ordem. A ementa pode até variar de local para local, mas há elementos que são uma constante, e o bom do churrasco é um deles. Podem ser febras, franguinho, secretos, bifanas, costeleta, bife, ou até mesmo peixinho, nada que umas boas brasas (ou um grelhador eléctrico) não possam oferecer. Tudo regadinho com uma boa pinga da casa, da região, num jarrinho à maneira... Ah, é de lamber os beiços!

Com essa premissa, a entrada deste ano na Feira de São Mateus procurou seguir a tradição. Lá fomos nós ocupar uma mesita num dos restaurantes localizados num dos muitos caixotes pré-fabricados de tamanho XXL dispostos na cidade. A sala estava quase vazia, fruto, talvez, da hora precoce com que nos dispusemos a jantar. Corpinhos arrumados nas cadeiras, ementas distribuídas, e vamos lá começar a degustação!

À nossa frente, o couvert. Uma cestinha com uma meia dúzia de pedaços de pão, um pratinho com 2 minúsculos pacotinhos individuais de manteiga e uma malga com 9 (sim, demo-nos ao trabalho de as contar), repito, 9 azeitonas. Sim senhor, um inicio auspicioso para o jantar das 10 almas que se encontravam ali reunidas. Numa atitude de alguma boa vontade ainda acreditámos que mais alguns componentes seriam adicionados a tão parco manjar... Era bom, era! Mas nada nos faria ainda fazer prever a hecatombe que se seguiria...

Escolhas feitas, restava aguardar pela empregada de mesa para assinalar os pedidos. Muito a custo lá apareceu a jovem, franzina e sorridente, disposta a registar cuidadosamente os pratos desejados. Mas a simpatia não implica eficiência ou celeridade, e o simples acto de pedir os pratos foi uma tormenta agonizante. De bloquinho nas unhas, a jovem necessitava de se apoiar na mesa ao lado para registar os pedidos efectuados! O que tornou a tarefa morosa e enfadonha, no mínimo...

Para acompanhar a refeição, para além dos obrigatórios refrigerantes e água, foi pedido um jarro de vinho tinto da casa. Célere, a empregada esclareceu que o néctar dos Deuses seria servido em garrafa. Até aí, tudo bem, pensámos. Longe estávamos nós de pensar que nos seria apresentada uma garrafa de vinho tinto acabada de sair do frigorífico, bem fresquinha, como um bom branco deve ser. Será que estamos a sonhar? Decerto teriam muitas outras bebidas para ocupar o frigorífico que não uma garrafa de tintol, mas estamos constantemente a ser surpreendidos com estes pequenos mimos... E ainda não refeitos da surpresa, eis que nos deparamos com uma garrafinha de cola acabada de chegar... E à temperatura ambiente, claro!

10 pratos de carne pedidos. Entre bitoques de porco e vaca, frango de churrasco, bifanas, costeletas e bifes, tudo coisas relativamente rápidas e simples de cozinhar. Os acompanhamentos não diferem: arroz, salada e batata frita, em diferentes combinações, adornam qualquer um destes pratos. Esperava-se um desenrolar rápido e um atempado inicio das hostilidades gastronómicas.

Mas não podíamos estar mais redondamente enganados. Passaram-se mais de 90 minutos até todos os pratos estarem servidos. A mesa foi completada lenta e parcimoniosamente, com cada um dos pratos a ser entregue individualmente, sem companhia. As reclamações choviam, os sorrisos deram lugar a facies de desagrado, ainda para mais porque muitos se mantinham ainda em jejum enquanto os outros começavam a ingerir os víveres, para não esfriarem... Mais, diga-se, para não esfriarem MAIS, uma vez que, incompreensivelmente, os repastos eram entregues um de cada vez, e frios. Como se tivessem ficado parados à espera do resto do pedido da mesa, que teimava em não chegar... Depois do delicioso couvert, que retemperou todas as almas (havia perto de 1 azeitona per capita, não podemos ser muito exigentes...), estar quase 2 horas à espera do jantar é piners, como diz o outro!

E apesar de vinculado, por várias vezes, o desagrado com que constatámos que numa sala progressivamente mais cheia havia mesas a serem atendidas e servidas a um ritmo muito mais acelerado que a nossa, com grupos de dimensão equivalente ao nosso a chegar depois de nós e a pagarem a conta, com café tomado, antes de nós termos sequer terminado de mastigar as solas de sapato que nos serviram, a empregadita ainda veio ter conosco no final da refeição, enquanto levantava os pratos, para perguntar se estava tudo bem... DESCULPE? SE ESTÁ TUDO BEM? NÃO, ESTÁ TUDO MAL!

Ora recapitulemos: couvert ridículo, vinho tinto gelado, cola quente, pratos servidos um de cada vez e demoradamente, com o seu conteúdo mais próximo da temperatura do vinho e de consistência tipo borracha, numa sala em que mesas que foram ocupadas depois de nós foram servidas antes... SERÁ QUE ESTÁ TUDO BEM? Oh menina, reporte a situação ao seu responsável e traga mas é a conta, ó faxavor! Café? CAFÉ? Nem pensar!

E terá sido, quiçá, pelo escarcéu que 3 ou 4 pessoas montaram em plena mesa ao enumerar todos estes pontos negros da noite que, pela primeira vez, houve um acto de restauração atempado, célere e eficiente: a entrega da conta. Finalmente, entraram nos eixos!

E assim começou mais uma ida à Feira de São Mateus, para mais tarde recordar. Com 2 horas passadas de rabo quadrado numa cadeira medonha num caixote hediondo de um dos piores restaurantes onde alguma vez estive. Valeram as posteriores voltinhas pelas tendas do artesanato, das malitas (ai minha rica Prada!) e dos óculos de sol (nada como os fantásticos Ray Beri!)... Porque o jantar, esse meus amigos, foi mesmo para esquecer...

sábado, 26 de abril de 2014

A fila do supermercado

Uma simples ida ao supermercado foi a gota de água que fez nascer este blog. Há muito que pensava em escrever o que me passava pela alma, mas hoje, em plena actividade de reabastecimento do stock alimentar do lar, fui atingida pelo momento de inspiração que me faltava. Nada como lidarmos com a falta de adequação humana, presente 24 horas por dia no ambiente que nos rodeia, para nos apercebermos quão irritável é o Homo sapiens sapiens... E como não se apercebe da sua falta de senso comum e educação.

Um ida ao supermercado é dolorosa. Alguém gosta de percorrer infinitos e infindáveis corredores em busca de suprimentos? Mas como digo ao meu marido, pessoa para quem um passeio ao hiper é equivalente a uma sessão de tortura chinesa, não há homenzinhos mágicos na retaguarda do frigorífico, prontos a encher de novo as prateleiras vazias. Não. É obrigatória a passagem, pelo menos uma vez por semana, por um dos antros do consumismo dos tempos modernos para adquirir a matéria prima para as nossas refeições. Sobretudo os frescos, aqueles irritantes vegetais, produtos lácteos e materiais proteicos fundamentais à nossa dieta e cujos períodos de validade são tenebrosamente curtos...

A escolha é muita! Desde mercearias de vão de escada, aos mercados municipais, mini-mercados de bairro, supermercados famosos e hipermercados galácticos, há ao nosso dispor um sem número de opções para investir os nossos euros. Houvesse, isso sim, paciência para lidar com o que vamos encontrando pela frente!

Hoje a escolha recaiu numa cadeia nacional de hiper e supermercados. Junto ao meu domicílio existe uma das versões mais modestas e menos abastecidas dessa mesma cadeia, local onde recorro frequentemente em busca dos itens que mais falta fazem. A viagem é curta, 7 minutos de carro, rumo ao local onde, frequentemente, me pergunto porque é que não fui presenteada com essa grande virtude que é a paciência...

Desde carrinhos de compras estrategicamente atravessados no meio dos corredores, até ao comprador indeciso que demora 10 minutos a escolher o item perfeito de entre 20 exactamente iguais, estacionado que está em frente à prateleira que nós queremos consultar em 5 segundos, vê-se de tudo um pouco num supermercado. É uma constante prova de resistência que temos que superar.

Mas nada, nada se compara à fila de pagamento. Aquele local mágico que lembra a entrada para Shangri-La. Ali estamos nós, pacientemente aguardando aquele "bip-bip" mágico que antecede o malfadado pagamento da conta final, e que nos liberta daquela prisão medonha chamada supermercado. Desesperadamente escrutinamos todas as filas. Quais as mais desimpedidas? Quais os carrinhos menos cheios? Quais as filas prioritárias, onde podemos ver a nossa ordem de soltura atrasada por um cliente que preencha os critérios de atendimento nas mesmas? Depois da criteriosa escolha, começamos rapidamente a dispor os nossos artigos no tapete. Oh, momento delicioso! A luz ao fundo do túnel avizinha-se! E o Eden torna-se purgatório quando o cliente à nossa frente faz empatar a fila porque um dos seus artigos não passa... Ou há uma discrepância com o preço... E de repente, nada acontece. Literalmente nada, porque ficamos desesperadamente à espera que um supervisor apareça para resolver um problema que não deveria existir...

Mas ainda pior que isto, o verdadeiro teste à minha capacidade de manter a educação que me foi dada, surge no momento em que o cliente que me segue na bendita fila de pagamento ainda consegue ter menos paciência que eu e resolve estar colado à minha pessoa enquanto procedo ao pagamento da conta. Todos os seus itens se encontram ainda no tapete rolante da caixa, e a irritante criatura já se encontra para lá da caixa, ao meu lado, respirando para cima de mim, enquanto eu passo o cartão multibanco, digito o código e engulo em seco as palavras que quase querem saltar para fora de mim: "Desculpe, não se importa de aguardar a sua vez a mais de 5 milímetros de distancia da minha pessoa?" Ou será que sentir o seu bafo nas orelhas é condição fundamental para que eu termine com sucesso a transação? Não há balizas, não há limites, há falta de respeito e pressa, sempre muita pressa!

Adoro, sobretudo, quando ainda estou a receber o meu talão de pagamento e tal ser já me está a acotovelar em busca de um saco para começar a guardar as compras que ainda não saíram do tapete inicial! Serão os 10 segundos que levarei a tirar dali as minhas compras assim tão imprescindíveis? Confesso que nesta azáfama constante da vida actual há muito que me habituei a tirar o carrinho das compras da saída da caixa antes de guardar o talão de pagamento na minha carteira, com vista a atrapalhar a vida dos que me seguem o mínimo possível... Mas a consideração que os outros me merecem não parece ser retribuída...

Estou agora no calor do meu lar, pensando nas aventuras e desventuras de uma ida ao supermercado e agradecendo o facto de só ter que lá voltar dentro de alguns dias. Mas o dia do meu regresso não tardará, infelizmente... A menos que eu consiga encontrar, algures, os adorados e desejados homenzinhos que reporiam os artigos pela parte de trás do frigorífico, e me salvariam de tal suplício...